O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assume nesta segunda-feira (21) seu segundo mandato de quatro anos à frente da principal economia do planeta. Analistas ouvidos pelo G1acreditam que, após uma campanha eleitoral disputada, mas na qual teve boa resposta dos eleitores, Obama vai se mostrar mais livre e deve adotar uma postura incisiva em relação ao Congresso, mais preocupado em deixar seu legado na história do país
que agradar a todos.
O presidente continuará enfrentando muitos dos mesmos problemas do primeiro mandato – como a dificuldade de lidar com um Congresso majoritariamente republicano, sem uma liderança definida, e medidas que dividem opiniões, como o controle de armas e as reformas migratória e de saúde. Entretanto, livre da pressão pela reeleição, espera-se dele um controle maior de suas propostas, direcionando a agenda democrata no Congresso. Se tudo sair bem, a preparação do terreno para um terceiro mandato do partido será tida como lucro.
"O Obama de 2013 não é Obama de 2009. Ele não é mais uma novidade. Em 2009, ele tinha 70% de aprovação, agora está com 48%. Um presidente no segundo mandato tem uma preocupação muito maior com o legado dele. O tempo dele se torna diferente do tempo dos congressistas", afirma Marcus Vinicius Freitas, professor de relações internacionais da Faap.
Sinais da maior liberdade do presidente já puderam ser vistos em pronunciamentos dos últimos dias, como no anúncio das medidas de controle de armas na semana passada. "Obama provavelmente está mais preocupado com seu legado do que com os democratas no Congresso. No anúncio das armas, ele parecia estar livre das restrições da reeleição", afirma Alex Keyssar, professor de história e política social de Harvard.
Analistas acreditam que o presidente passará a influenciar mais a agenda democrata, se envolvendo de maneira mais incisiva nos projetos enviados ao Congresso e conduzindo a agenda republicana, algo que já começou a ocorrer nas últimas semanas.
"Acho que veremos muito mais medidas executivas assertivas em vez de deixar o trabalho de gerar a agenda para o Congresso. Creio que ele participará mais e estará mais disposto a ir até o público americano. Ele é um presidente popular, em geral, e foi reeleito com um bom resultado", explica David Bach, professor de política e negócios globais da Universidade Yale.
"Ele já tomou uma medida séria, relacionada às armas, um assunto no qual ele enfrenta bastante resistência, e falou diretamente para o público americano, para mobilizar a opinião pública a seu favor. Creio que iremos ver mais disso", afirma Bach. "Obama não quer apenas provar que ele fez. Temos que lembrar que ele foi professor antes de ser político, ele é um professor, ele gosta de influenciar o modo com as pessoas pensam."
Em meio à busca por um legado, Obama também será pressionado para pavimentar o caminho para seu sucessor democrata, em um possível terceiro mandato do partido. A grande participação de Bill Clinton em sua campanha o deixou com uma dívida em relação ao ex-presidente, que pode cobrá-la na possível indicação de sua mulher, Hillary, como candidata à sucessão na Casa Branca.
Para isso, os analistas afirmam que será necessário um mandato melhor que o primeiro, e com grande apoio da opinião pública. "Daqui a quatro anos, o eleitorado pode estar cansado da agenda democrata. Será preciso contar com dificuldade dos republicanos de ter um candidato que reflita alteração do quadro do tecido social norte americano", diz Freitas.
A pressão do partido, entretanto, não deve ter muito efeito. "Nos EUA, as pessoas são mais importantes que os partidos. Bill Clinton queria que Al Gore fosse eleito, mas ele se importava mais em deixar seu próprio legado do que fazer com que outro democrata fosse para a Casa Branca", afirma Bach.
Armas
A questão do controle das armas, colocada no centro das discussões após o massacre de crianças em uma escola de Connecticut, em dezembro, é um dos primeiros desafios a serem enfrentados por Obama, e já mostra uma mudança de sua postura como presidente.
Os questionamentos do lobby pró-armas e também dos próprios estados – que devem desafiar a lei federal com apelações na Suprema Corte – não deixarão que o assunto seja resolvido rapidamente. Em um país tão descentralizado como os EUA, no qual os estados possuem suas próprias leis, uma legislação que restringe o comércio e uso de armas não será recebida tranquilamente.
De qualquer maneira, os analistas afirmam que a discussão atual sobre o assunto é a mais profunda já ocorrida, e deve permanecer na agenda de governo por algum tempo. "O presidente e muitos políticos experientes dos dois partidos estão se mobilizando mais do que antes. Nova York passou uma lei bastante restrita, o presidente tomou alguns passos rapidamente. Com o tempo, o foco irá para outros assuntos, mas acredito que o modo como isso é debatido mudou", disse o professor Bach.
Reforma da saúde
A reforma do sistema de saúde norte-americano esteve muito presente na campanha eleitoral e foi uma das últimas conquistas de Obama antes das eleições. Aprovado no Congresso, o "Affordable Care Act", comumente chamado de Obamacare, tem como objetivo expandir o benefício do seguro de saúde, principalmente em relação às pessoas afetadas pelo desemprego.
A reforma, entre outras coisas, permite que filhos fiquem como dependentes do seguro de saúde de seus pais até os 26 anos, dá acesso facilitado à saúde aos idosos, com cobranças menores, e visa a aumentar a cobertura geral, obrigando as pessoas a terem um plano de saúde – quem não possui condições de pagar recebe ajuda do governo.
Nos próximos anos, a mudança deve ser fortalecida, tornando-a mais universal com sua gradual implementação –algumas medidas só entram em vigor em 2014. Mesmo com a aprovação inicial, o tema deve continuar sendo combatido tanto pelo Congresso majoritariamente republicano, que vê um aumento das despesas e do endividamento, quanto pelos estados, que, mais uma vez, se sentem desconfortáveis com uma legislação federal em uma sociedade na qual os estados possuem autonomia.
"O desafio é conseguir contestar esses questionamentos. A probabilidade de ele consolidar a reforma é alta. Mas tem um custo político, que quase lhe custou a eleição. Pode ser o grande legado dele, conseguindo implementar o Obamacare, com o acesso universal à saúde, o que acontecerá pela primeira vez", explica o professor Freitas, da Faap.
"Acredito que a reforma da saúde é algo sem volta. Os republicanos afirmavam que iriam cancelá-la se fossem eleitos, e uma vez que você começa a implementar uma política, é realmente muito difícil voltar atrás. Haverá algumas resistências, muitos estados ainda resistem às leis federais e devem levá-las à Justiça, mas acredito que em um ou dois anos isso deve estar totalmente implementado", afirmou David Bach, de Yale.
Imigração
Os imigrantes –principalmente os latinos, considerados decisivos para a reeleição e para a derrota do republicano Mitt Romney em estados como a Flórida– não devem ficar muito esperançosos em relação à mudança no processo de legalização ou a possíveis anistias, segundo os analistas. Entretanto, eles devem continuar no foco dos partidos, e seu entendimento é considerado essencial para a recuperação do Partido Republicano.
"O grande desafio que o presidente tem é que qualquer anistia dada a imigrantes ilegais é encarada pela sociedade como uma medida populista", afirma o professor Freitas, que acredita que não serão vistos avanços na questão nos próximos quatro anos. "Esses imigrantes, se anistiados, poderão concorrer em igualdade de condições no mercado de trabalho com os norte-americanos legais. Isso significa um aumento da competitividade na busca por emprego, e os sindicatos vão combater isso."
Já o professor Bach, de Yale, acredita que possa haver um avanço caso haja um trabalho conjunto com os republicanos. "Parte dos republicanos percebeu que a demografia mudou, que eles não conseguem alcançar os latinos. Alguns republicanos vão explorar legislações para incluir os latinos, leis para facilitar a legalização", disse o professor. "A questão é bastante complicada, mas será um assunto que Obama terá a oportunidade de trabalhar com os republicanos. Ele está agora esperando que os republicanos resolvam seus problemas internos."
Congresso oposicionista
O principal desafio para conseguir atingir todas as mudanças citadas será lidar com o Congresso, que atualmente tem maioria republicana, o que dificulta a aprovação das leis.
Para os analistas, será percebido um partidarismo ainda mais acentuado. "Pelas atitudes tomadas recentemente, ficou claro que ele não será o que vai estender a mão. Ele acredita que, em razão de ter tido uma votação expressiva em cima do candidato republicano, de fato tem um mandato para implementar as coisas que ele tanto apregoou durante a campanha", afirma Freitas.
Entretanto, para o professor, Obama ainda se encontra em uma posição confortável. “Os republicamos precisam se mostrar abertos para retomar a confiança do eleitor. O fato de eles terem concordado na negociação do abismo fiscal exemplifica que eles compreenderam a necessidade de negociar. Eles precisam alterar sua agenda para dar a impressão de que mudaram e estão se preparando para a Casa Branca."
A falta de liderança dentro do Partido Republicano e a radicalização de parte dos quadros podem dificultar esses acordos. "É muito difícil de negociar com alguém que você não sabe quem é. É muito difícil para Obama fazer qualquer tipo de acordo com o presidente da Câmara, John Boehner, porque ele mesmo não tem o apoio de todo o seu partido", diz Bach.
"Creio que ele será mais assertivo, e ele tem que ser. Ele irá confrontar mais em alguns assuntos, mas em outros ele vai tentar trabalhar com os republicanos, mais do que antes. Em algumas iniciativas ele deve buscar a briga, como a questão das armas. Muitas pessoas questionam se a legislação vai acabar sendo realmente aprovada, mas ele quer deixar claro que ele a enviou para o Congresso e os republicanos barraram, e permitir que os eleitores tirem conclusões disso. Ele está mais experiente, entende melhor o beneficio de algumas vezes ser derrotado no Congresso", afirma David.
Juliana CardilliDo G1, em São Paulo
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