sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mandela deixa uma África do Sul desiludida e desigual


Idealmente, a África do Sul imaginada por Nelson Mandela deveria "pertencer a todos os que vivem nela". Embora atualmente o país não conheça mais barreiras raciais legais, ainda há um abismo socioeconômico entre ricos e pobres que alimenta o desencantamento.
"Como é possível fazer da África do Sul um lugar onde todo mundo possa viver feliz?": a questão foi colocada nos anos 1950 pelo principal partido negro, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês).

Essa questão levou à adoção em 1995 de uma "Carta da Liberdade", que se concretizou em parte com o fim do Apartheid e o advento da democracia. Todo mundo tem direito a voto desde 1994.
"Mas ainda estamos muito longe da sociedade que Mandela tinha em mente", observa Frans Cronje, do Instituto Sul-Africano das Relações entre as Raças (SAIRR, na sigla em inglês), observatório pioneiro da transformação do país.
"Quatro sul-africanos negros em cada dez não concluem os estudos. Claramente, isso não é o que Mandela imaginava. E quando eles terminam, não estão no nível das exigências do sistema econômico", afirma Cronje.
Evocando seus companheiros dos anos 1930, Mandela escreveu: "não era a falta de capacidades que limitava meu povo, mas a falta de meios".
Essa observação continua sendo cruelmente atual em 2013. Depois de quase 19 anos de poder e em um contexto de "boom" demográfico, o ANC fracassou amplamente na redistribuição das "cartas".
As linhas de distribuição econômica não coincidem mais apenas com a cor da pele, mas a grande maioria da população sofre com o desemprego e a pobreza.
Cerca de 20% dos lares não têm água corrente, e 10% vivem sem luz, em um país onde abundam as piscinas e cercas elétricas nos bairros chiques.
Àqueles que denunciam o novo Apartheid econômico, Cronje responde que "a situação é complexa".
"Vendo de onde viemos, estamos bem. Em termos de Estado de Direito, sobretudo. Temos uma classe média negra que sobrevive, muito progresso foi feito, mas ainda há desigualdades. E, à medida que as coisas melhoram, as expectativas aumentam", completa.
Quase 100% dos desfavorecidos são negros - isso não mudou. Números de 2010 mostravam, porém, que entre os mais abastados 19% são negros - os famosos "diamantes negros" -, contra 3% dez anos antes. O mesmo estudo revela que 65% dos mais ricos são brancos.
Em matéria de saúde, "avançamos contra a malária e a desnutrição infantil", acrescenta Cronje, destacando que a maioria ainda não tem os cuidados mais básicos.
Cerca de 84% dos 52 milhões de sul-africanos, segundo o Ministério da Saúde, procuram os hospitais públicos, em virtude da crônica falta de recursos e de pessoal.
O salário de um funcionário de supermercado não lhe permite ter uma cobertura de saúde, em um país com uma medicina privada tão avançada que vários chefes de Estado e autoridades estrangeiras escolhem a África do Sul para se internar.
Em 2009, Mandela admitiu, indiretamente, seu principal fracasso: "precisamos nos lembrar de que nossa principal tarefa é erradicar a pobreza e garantir uma vida melhor para todos".
Um menino para diante de um santuário em homenagem a Mandela, na frente da casa do lide sul-africano, em Joanesburgo. (Foto: Grant Lee Neuenburg / Reuters)
Da France Presse

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