No polêmico filme "Azul é a cor mais quente", ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes neste ano, há repetidas e realistas cenas de sexo entre as atrizes Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux. O longa também gerou controvérsia depois que as duas, em declarações posteriores à premiação, criticaram o rigor do diretor, Abdellatif Kechiche. Em sua passagem pelo Brasil, onde o longa estreia nesta sexta-feira (6), Adèle mostra ter superado o episódio.
Sentada no café de um cinema na Avenida Paulista, ela aponta para o cineasta franco-tunisiano e descreve: “Um gênio”. Os dois visitaram o país para divulgar o filme, numa rodada de entrevistas da qual o G1 participou. Em outras ocasiões, contudo, Kechiche mereceu comentários menos favoráveis. Ao jornal “The Independent”, Léa afirmou que o trabalho “foi meio humilhante, às vezes” e que se sentia “como uma prostituta” (uma das cenas de sexo ocupa a tela por ininterruptos 6 minutos).
Ao site americano Daily Beast, em setembro, Adèle apresentou sua própria lista de queixas: o constrangimento inicial ao ter de tocar outra mulher nua; a vergonha que sentiu na sessão de gala na presença de familiares (“durante as cenas de sexo, tapei meus olhos...”); os cinco exaustivos meses de filmagens; as incansáveis repetições de tomadas; a manipulação proposta por um diretor perfeccionista...
Mas nesta tarde, em São Paulo, “ele é um gênio”. Seja por conformismo ou por diplomacia, o fato é que Adèle elege um tom elogioso, não de conflito. “As filmagens não foram convencionais, porque o diretor não é convencional – [o trabalho] foi uma mistura de prazer, sofrimento, ruptura, solidão, um monte de sensações”, diz a atriz de 20 anos de idade. “Houve muita liberdade, mas também muita pressão. Tivemos de criar essa relação, confiar um no outro.”
Ela nasceu na França – o avô era grego, daí o sobrenome – e começou a ter aulas de atuação aos oito. Foi convidada para fazer “Azul é a cor mais quente” na época em que estava prestes a fazer o equivalente francês do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Desistiu e não se arrepende. E conta que jamais havia feito antes o que faz no filme. Mas, durante a conversa, parece mais resignada do que tensa.
“A primeira cena que fizemos juntas foi uma de sexo. Eu conhecia Léa de revistas e filmes, mas não na vida real. Quando nos vimos peladas, foi tão diferente. Era minha primeira vez com uma mulher, então tinha de deixar rolar”, relembra, confundindo-se com a personagem, também chamada Adèle. “Todo mundo foca na cena de sexo – sei que as pessoas vão fazer isso. Mas não foi tão difícil assim. Foi um prazer, na verdade. É linguagem corporal, sabe?”
No filme, inspirado no quadrinho homônimo escrito por Julie Maroh, Adèle é uma insegura aluna do ensino médio que se apaixona por Emma, universitária do curso de artes e interpretada por Léa. Da aproximação inevitável à crise igualmente inevitável, Kechiche registra tudo muito de perto, sempre com closes. “Você tem de se jogar, de abandonar a si mesma e se entregar da melhor forma. Foi mais divertido do que as pessoas pensam – e mais fácil que as cenas emocionais”, avalia a atriz.
Numa sequência decisiva de “Azul é a cor mais quente”, há um exemplo do que ela chama de “emocional”: a protagonista chora e, enquanto argumenta com sua companheira, vemos seu nariz escorrer consideravelmente.
‘Banalizar'
Na entrevista ao G1, Kechiche não veta qualquer pergunta sobre as afirmações de suas atrizes. Se ele vai responder, no entanto, é outra conversa. Em dado momento, alega que o essencial de seu julgamento sobre o tema está numa longa carta aberta publicada em 23 de outubro no site francês Rout 89. No texto, cita a “arrogância de criança mimada” de Léa e fala que “ela terá de se explicar perante a lei”. Ele se julga vítima de “insinuações difamatórias e doentias”.
Quando o assunto muda para o filme propriamente dito, Kechiche explica que “‘Azul é a cor mais quente’ é uma história de amor, não uma história de amor entre duas mulheres”. Sem se dar conta da possível contradição, alega que desejou “banalizar o amor homossexual”. Apresenta, ainda, um resumo de seu método: “Busco no meu cinema a maneira de fazer com que os atores expressem tudo o que há neles”. Com que objetivo? “Chegar à profundeza do ser e tentar eliminar todas as máscaras, todas as fachadas que os impeçam de atingir a essa verdade.”
Leva tempo até que se chegue a este ponto. Ou ao menos é o que Adèle faz parecer. “Abdellatif filma muitas e muitas tomadas da mesma cena, ama trabalhar quando você está exausta. Porque ele acha que este é o momento em que você não pode mentir”, especula. “Não usamos maquiagem, quisemos ficar longe de artifícios. É só você, sua pele e suas emoções. Tentamos ficar tão perto quanto conseguíssemos daquilo que uma paixão pode ser, com altos e baixos, sedução, manipulação, rompimentos, coisas pelas quais você se sacrifica e que sempre mudam você.”
Ela diz ter ultrapassado os desentendimentos que apareceram após Cannes. “Realmente não me importo com toda essa controvérsia na imprensa. Para mim, foi um dos anos mais bonitos da minha vida. As pessoas vão fofocar, porque fofoca é dinheiro. Mas é mais complicado que apenas brigas”, comenta. E prossegue: “As pessoas deveriam ter inteligência para saber que, se você fica com seus colegas por cinco meses, vai haver tensão, amor, e tensão de novo... Quer dizer, brigo com pessoas que amo, como meu namorado, meus pais, amigos.”
Sobre o drama de sua personagem, Adèle opina que “todo mundo quer se matar quando o cara que ama vai embora”. Fazendo voz sofrida, imita alguém que está nessa situação: “A gente fala: ‘Ah, vou morrer, nunca vou conseguir alguém como ele!’”.
Questionada se ela própria passou por algo semelhante, admite que sim. “Quando era realmente nova. E uma semana depois, quando eu o esqueci por completo, fiquei tipo: ‘Uhu!’. Você percebe que, com o tempo, na vida tudo passa – até as coisas mais difíceis”. Ela deve ter repetido a estratégia ao reavaliar sua relação com Kechiche.
Cauê MuraroDo G1, em São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário