quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sexo ainda é tabu na medicina


Como anda a sua vida sexual? A pergunta, fora de contexto, é capaz de constranger não somente aos mais pudicos.

Segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a maioria dos médicos recém-formados não tem conhecimento suficiente para abordar ou simplesmente orientar suas pacientes quando o assunto é sexo.


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Teresa Barroso, médica obstetra, coordenadora do ambulatório de qualidade de vida da faculdade, mensurou este gargalo. Entrevistou mais de 150 profissionais recém-formados, na esperança de encontrar o ponto de partida de tal déficit. Os resultados da estatística revelam que a fragilidade na relação médico-paciente vai muito da demanda ou mediação feita pelos planos de saúde.

“Eles reconhecem que não sabem abordar a sexualidade com as pacientes. Apenas 22,7% dos entrevistados afirmam ter conhecimento e confiança para orientar. Por mais absurdo que pareça, o sexo ainda é tabu na medicina.”

A defasagem é admitida por especialistas que trabalham tanto no sistema público quanto no privado. O que une ambos profissionais é a falha na formação, aponta Teresa. Na visão da obstetra, são raros os cursos de medicina que incluem a sexualidade na grade de aulas.

“É um tema com abordagem rasa. O fundamental é conhecer as doenças sexualmente transmissíveis, fazer papanicolaou e prevenção contra câncer de mama. O que foge ao básico, é autodidatismo ou interesse pessoal desses profissionais.”

Eternos caretas?
A pesquisa espelha uma realidade próxima a tragetória da especialista. Teresa concluiu o curso de medicina em meados dos anos 80. Naquela época, questionar a vida sexual das pacientes não era constrangedor, mas invasivo. Algumas mulheres, porém, abandonavam o ceticismo e procuravam ajuda de especialistas. Reconhecendo a própria incompetência no assunto, a médica buscou cursos de formação depois de conquistar o diploma.

“Sentia vergonha de ter demorado tanto tempo para procurar esse tipo de complementação. Saí da faculdade em 1986, só terminei minha especialização em sexualidade em 2004.”

Na avaliação da Professora associada e livre docente do departamento de obstetrícia da Unifesp, Mary U. Nakamura, o problema se arrasta na medicina brasileira.

"Antigamente não existia esse tipo de questionamento por parte das mulheres. Hoje, a demanda é real, e exige informação, capacitação multidisciplinar."

Rodrigo da Rosa Filho, ginecologista e obstetra, foi um dos residentes que forneceu subsídio a tese de Teresa. Formado em uma das faculdades mais concorridas do Brasil, Rosa viu seu diploma perder a força ao ser indagado por uma paciente sobre libido e dor durante a penetração.

“O conhecimento que tive na formação é raso e quase inexistente. Na faculdade, a sexualidade nem é abordada. Durante a especialização em ginecologia, área que deveria ter uma orientação maior, o assunto é tratado rapidamente. Em três anos temos 8 horas para aprender sobre sexualidade."

Com o avanço da demanda – ter prazer passou a ser um direito, e não exceção – Rodrigo investiu em cursos e atualizações sobre o tema. A própria Unifesp oferece aulas no ambulatório de sexualidade.

"Você sente a importância e o desamparo das pacientes quando começa a atender. Só que a essa altura, já é praticamente por sua conta e risco", recorda o ginecologista.

A ineficiente capacitação é agravada pelo tempo das consultas médicas. O atendimento em série, se já não permite que o médico enxergue o paciente à sua frente, torna ainda mais improvável a proximidade e confiança que antecedem ao diálogo e exposição de dúvidas possivelmente constrangedoras.

"Em relação aos perigos de DST e gravidez inesperada todo ginecologista tem conhecimento, sabe fazer. O tempo com a paciente não permite uma conversa aberta, abrangente. Os problemas de convênio e atendimento deterioraram ainda mais a relação", acredita Rosa.

Sexo para todos
A sexualidade é pré-requisito para qualidade de vida, defende a professora Mary. Para a educadora, é fundamental que as faculdades incluam a temática na formação dos profissionais.

"É uma área multidisciplinar. Todo médico deve questionar a vida sexual, a libido de seus pacientes, ou, ao menos entender que a vida sexual pode ser chave para muitos diagnósticos.

Reclamações como baixa libido ou dor durante a relação sexual não apenas sinalizam problemas no organismo, como impõe uma serie de contra-indicações medicamentosas, afirma Teresa Barroso. Antidepressivos, remedios para tratar o diabetes reduzem o apetite sexual dos pacientes. Se o tema não é abordado, o tratamento resolverá um problema e acentuará outro.

“É importante perceber que a sexualidade pode mascarar um tratamento que possivelmente seria eficaz. O dever de um cardiologista não é apenas salvar seu paciente de um infarto fulminante. É papel dele, após a recuperação, orientar depois de quanto tempo ele está apto a ter relações sexuais. Nada disso é feito. Temos endócrinos que prescrevem remédios para diabéticos. Essa população sofre alteração na sua sexualidade, mas nada se fala sobre o assunto.”

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