O cabeceio é um movimento natural para qualquer jogador de futebol. Ele é treinado para isso e, se não estiver bem marcado, consegue jogar a bola onde bem entender. Porém, mesmo com toda a prática, o impacto é forte e pode deixar sua marca no corpo.
Uma pesquisa apresentada nesta terça-feira (29) no encontro anual da Sociedade Radiológica Norte-americana aponta a relação entre cabeçadas no jogo de futebol e lesões no cérebro, que podem levar a diversos problemas, incluindo perda de memória e reação motora.
O estudo clínico liderado por Michael Lipton, da Faculdade de Medicina Albert Einstein, da Universidade Yeshiva, em Nova York (EUA), avaliou imagens de ressonância magnética do cérebro de 38 atletas amadores que praticam o esporte desde a infância.
Cada participante respondeu a um questionário elaborado por especialistas no esporte para determinar quem cabeceava a bola mais ou menos vezes. Aqueles que usam a cabeça com mais frequência – acima de 1,5 mil cabeçadas em um ano – tiveram exames parecidos com o de pessoas que sofreram concussões – um tipo leve de traumatismo craniano.
Esses jogadores também tiveram piores resultados em testes de atenção, memória e reação motora, um possível sinal de que as funções do cérebro já estão sendo afetadas.
“As pessoas pensam que concussão não é tão séria assim, mas cerca de 20% das pessoas não conseguem voltar a trabalhar”, disse Lipton ao G1. “Eu não entendo o que tem de tão leve no traumatismo leve”.
Além disso, as concussões aumentam o risco do surgimento do mal de Alzheimer na terceira idade, segundo o médico norte-americano.
'Chacoalhada' no cérebro
Em geral, jogadores de futebol preferem usar a testa e acreditam que ela seja mais resistente. A pesquisa não levou em conta a parte da cabeça na jogada, mas Lipton não acredita que isso faça diferença.
“O principal aqui é a aceleração – e desaceleração – da cabeça”, diz Lipton. Em outras palavras, o cérebro “chacoalha” dentro do crânio.
Também por isso, o especialista não acredita que seria inútil usar algum tipo de capacete, como o usado pelo goleiro tcheco Petr Cech, do clube inglês Chelsea, e por vários jogadores de rugby.
“Acredito que reduzir o número de cabeceios é uma boa ideia para diminuir o risco de lesões”, diz Lipton. No entanto, ele ressalta que os dados são preliminares e que somente com futuras pesquisas seria possível estabelecer uma relação definitiva entre a jogada e problemas no cérebro.
Para servir de alerta
“É um trabalho ótimo para servir de alerta”, avalia o médico Júlio Nardelli, do grupo de medicina esportiva do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC/USP).
Para Nardelli, um atleta de fim de semana dificilmente chega à marca de 1,5 mil cabeceios em um ano. “A preocupação maior é para o atleta de alto rendimento”, acredita o especialista, que trabalha também com a seleção brasileira feminina de vôlei.
Para um jogador profissional, é impossível evitar o cabeceio, um fundamento importante do jogo. Por isso, a solução tem que ser outra: o acompanhamento médico.
“Hoje em dia, você consegue o diagnóstico precoce”, diz Nardelli “Esse exame [ressonância magnética, como a usada na pesquisa de Lipton] tem que fazer parte da rotina desde a categoria de base”, opina o médico.
Também desde cedo, seria possível fazer exercícios preventivos, estimulando o cérebro para neutralizar os efeitos das lesões provocadas pela bola.
Um problema grave, para Nardelli, é a vida do jogador depois que se aposenta. Se a ameaça é em longo prazo, como é o caso do Alzheimer, os atletas deveriam continuar fazendo exames regularmente, mas raramente o fazem.
Além disso, não são raros os casos de alcoolismo e dependência de drogas entre ex-jogadores, que agravam o quadro.
“Nós temos que tomar cuidado para proteger o atleta como homem, como pessoa normal”, preocupa-se Nardelli. “É preciso prepará-lo para ser uma pessoa normal do ponto de vista psíquico e do ponto de vista biomecânico”, conclui.
G1
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