Dois artistas plásticos holandeses tinham um sonho em comum: arrecadar o mínimo de U$100 mil, equivalente a R$ 220 mil, para fazer o acabamento e pintar todas as casas da favela Vila Cruzeiro, na Penha, na Zona Norte do Rio. O prazo para que o sonho pudesse se tornar realidade terminaria no dia 31 de outubro, mas, nesta segunda-feira (28), os artistas conseguiram alcançar a meta e garantiram um banho de cor e autoestima para a comunidade.
Jeroen Koolhaas e Dre Urhahn, mais conhecidos como Haas & Hahn, visitaram uma favela no Rio pela primeira vez há 8 anos, em 2005. A partir daí, tiveram a ideia de criar obras públicas em comunidades da cidade para embelezar, mas também criar um diálogo com os arredores, chamado de Favela Painting. Para levantar fundos, o projeto foi lançado no site Kickstarter, especializado em pedir doações para projetos artísticos e sociais. Mesmo com a missão inicial cumprida, as doações ainda podem ser feitas pelo site, para que todas as casas sejam contempladas.
“Queremos deixar a comunidade mais bonita e fazer com que seja vista de uma forma mais positiva. Isso serve para que as pessoas parem de olhar a favela de um jeito diferente do resto da cidade. Queremos mostrar para o mundo um outro universo dentro da favela, de pessoas criativas e orgulhosas da comunidade em que vivem”, disse Hahn.
Segundo a assessoria do projeto, essa é a primeira vez que o projeto conta com o crowdfunding(financiamento coletivo). As outras iniciativas foram concretizadas através de fundos para projetos de arte ou sociais e com o apoio de patrocinadores.
Angelo Campos, de 32 anos, é morador da Vila Cruzeiro, ajudou nos projetos anteriores e hoje é representante do Favela Painting no Brasil. As artes plásticas são o meio de sustento dele e dos cinco filhos e seu trabalho contribuiu diretamente para o desenvolvimento do projeto. “A ideia não é só pintar, mas dar oportunidades aos moradores que precisam de trabalho, nem que seja segurar uma escada. Teve gente de fora que nos tratou como loucos, por estar pintando a casa dos outros.”
Ele disse que a ideia é completar um ciclo de benefícios para as localidades. “Queremos criar uma sede, fazer oficinas de capacitação, não só na Vila Cruzeiro. Também queremos atrair atenção para resolver outros pontos críticos das favelas.” O artista plástico relatou também que, apesar de todo o envolvimento, não conseguiu atrair atenção no Brasil para sua arte. “Eu pinto telas, faço caracterização, customização de peças, roupas e nunca consegui expor.”
Apesar disso, Angelo está tirando o passaporte para conhecer melhor a arte fora do Brasil e trazer um legado para o Rio. A ida dele será feita com a ajuda da equipe do Favela Painting, com sede em Amsterdã, na Holanda. "Toda favela do Rio é uma grande casa, tem a frente que é mais cuidada e os fundos que ficam esquecidos. Quero poder mudar isso com essas experiências", disse.
Segundo a assessoria, o início do projeto está previsto para o primeiro trimestre de 2014.
Como tudo começou
Em 2006, a primeira ideia saiu do papel: o desenho de um menino soltando pipa foi pensado e escolhido junto com os moradores da Vila Cruzeiro. Dois jovens que moram no local ajudaram no serviço e em dois meses a obra foi finalizada.
O segundo passo foi maior e necessitou da ajuda de mais moradores – em 2008, uma escadaria da favela mudou drasticamente de visual após receber desenhos em vermelho, cinza, branco e preto. A arte gráfica, uma espécie de style japonês muito usado em tatuagens, ilustrou o concreto com um rio com carpas gigantes. A execução contou com a ajuda de um tatuador conhecido em Amsterdã e os moradores envolvidos foram pagos por quase um ano de trabalho.
Até então a maior façanha da dupla ocorreu em 2010, quando idealizaram a pintura da Praça do Cantão, no Morro Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul do Rio. Eles começaram a fazer pesquisas, protótipos e estudos para mudar a cara dessa localidade, que é uma das portas de entrada para o morro. Um grupo de 25 jovens foi treinado para transformar, em pouco mais de um mês, uma praça e suas 34 casas ao redor num grande trabalho artístico.
De acordo com o site do projeto, a obra rendeu fama em todo o mundo e transformou o Rio em " um dos 10 lugares mais coloridos do mundo ", segundo a televisão americana CNN. Haas & Hahn foram convidados a mostrar seu trabalho na galeria Storefront for Art & Architecture, em Nova Iorque, seguido por um convite do programa Arte Mural Filadélfia para pintar quarteirões numa área em ruínas no norte da Filadélfia, nos Estados Unidos.
Segundo a assessoria do projeto, os artistas são convidados a rodar o mundo inteiro para falar e ensinar sobre o seu trabalho nas comunidades cariocas.
Guilherme BritoDo G1 Rio
Nenhum comentário:
Postar um comentário