A atriz australiana Miranda Otto, conhecida por participar de blockbusters como "Guerra dos mundos" (2005) e a trilogia "O senhor dos anéis", aceitou protagonizar "Flores raras", que estreou na sexta-feira, mesmo sem ter qualquer ligação com o Brasil ou com a poeta norte-americana Elizabeth Bishop. "Eu não sabia nada sobre ela, mas descobri que Bishop foi uma mulher e uma poeta extraordinária, que teve uma vida incrível. Com o seu modo introvertido,
ela foi uma revolução para a figura feminina. Ela levou uma vida moderna", conta a atriz, em entrevista ao G1, sobre sua personagem no filme de Bruno Barreto ("Dona Flor e seus dois maridos", "O que é isso, companheiro").
Ao lado de Glória Pires, que vive a arquiteta Lota de Macedo Soares, Otto interpretou a homossexualidade da poeta e comentou sobre a única cena de sexo que aparece na trama. "Amei o jeito como a cena foi escrita. A casa, a chuva. Elas estavam destinadas para ficarem juntas. Não havia nada que as impedissem. Eu queria parecer bem natural, não queria que fosse sexy. Não podia ser sexy porque é uma visão muito heterossexual, como 'olha, duas mulheres juntas, que sexy'. Queria que fosse emocional, sobre estar apaixonado por alguém e ser amado em troca", afirma.
Pires, que se diz muito fã da vencedora do Oscar Helen Mirren, conta que ela e a australiana são praticamente amigas de infância. "Ela é uma atriz muito boa de se trabalhar, que olha no olho, verdadeira. Ela é totalmente disponível". A atriz, cujo último grande papel no cinema foi em "Lula, o filho do Brasil" (2009), diz que a Lota é "um pacote completo". "É uma personagem desejável. É tudo o que uma atriz pode querer".
O longa-metragem é baseado no livro "Flores raras e banalíssimas", de Carmem Lúcia de Oliveira, que foi apresentado a Glória há 17 anos pela produtora Lucy Barreto, mãe do diretor Bruno Barreto. "Imediatamente fiquei encantada, e me deu vontade de estar nesse filme. De uma forma geral, temos muito pouco material sobre as pessoas que fizeram alguma coisa historicamente no nosso país e tem tantas histórias maravilhosas. Tenho um amigo agora que está lutando para produzir a história do Éder Jofre [ex-pugilista]. É uma tarefa hercúlea conseguir fazer um filme", conta.
Já Bruno Barreto aponta que os patrocinadores que, inicialmente, recusaram investir no filme, agora devem ter se arrependido. "O momento não poderia ser mais propício para lançá-lo. O 'timing' não poderia ser melhor. Não só no Brasil, como no mundo inteiro, o casamento gay é o assunto", diz. Mesmo com orçamento limitado, o diretor afirma não ter economizado "um tostão que comprometesse a qualidade". "Até na finalização, quando, em geral, a coisa aperta, gravamos toda a música em Praga com uma orquestra de 50 músicos", conta.
Personagens complexas
"Flores raras" mostra que Bishop se definia como "a pessoa mais solitária do mundo" e, para Otto, essa característica foi facilmente encontrada para sua atuação. "Assim como ela, eu também sou filha única. Passei muito tempo comigo mesma em meus pensamentos. Assim como ela, também fiquei maravilhada com a beleza do Brasil, as pessoas, mas, ao mesmo tempo, senti a frustação de não conseguir me comunicar e não entender completamente a cultura por não ter nascido aqui", afirma a atriz australiana. Otto diz que não conhecia o trabalho de Barreto antes de ser chamada para o filme, mas que confiou em seu processo de criação. "Por ter morado no exterior, ele entende o Brasil para brasileiros, mas também entende como é para os estrangeiros".
Lota, responsável pelo projeto do parque do Flamengo, no Rio, era muito amiga do político Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara de 1960 a 65, e apoiou o golpe militar. No entanto, Pires afirma que esse lado da história doi somente um "pano de fundo". "Não é um filme sobre política, como também não é um filme sobre homossexualidade", diz. Barreto afirma que a arquiteta não é conhecida pelos brasileiros por não ser "de esquerda". "A Lota era muito complexa para a mídia ideológica da época", afirma o diretor.
Glória Pires conta que "chegar ao fim desse projeto e estar com ele inteiro é um desafio vencido". "Trabalho há muitos anos como atriz e acho que minha experiência contribuiu de alguma forma, assim como a da Miranda. Alguns atores buscam a versatilidade porque querem poder contar histórias além do padrão físico estabelecido. Tenho cara de índia, sou baixinha, então vou fazer só isso. Não, vamos ousar", afirma.
Para Barreto, os momentos cômicos do filme são essenciais para levá-lo ao grande público. "A tragédia e a comédia andam de mãos dadas. O filme tem muito humor, por exemplo, quando a Bishop diz 'não estou bêbada, estou chorando em inglês'. Ela tinha um senso de humor autodepreciativo. Meus filmes são desse jeito. Eu gosto de histórias complexas".
Reconhecimento
Bem recebido pelo público no exterior, "Flores raras" já foi premiado nos festivais San Francisco International Lesbian & Gay e Toronto Inside Out Lesbian and Gay Film and Video. Agora, o foco de Barreto é o Oscar 2014.
Como o longa é primordialmente falado em inglês, não se classifica como candidato brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Por isso, a estratégia do diretor é lutar por todas as outras categorias, principalmente por indicações para as duas protagonistas, Otto e Pires. "Chega o fim do ano e fica muito difícil para a Academia escolher cinco grandes papéis femininos bons porque a maioria não é tão boa quanto os masculinos", diz o cineasta.
Pires aponta que ganhar um prêmio como o Oscar "é muito mais que vaidade". "Muitas portas se abrem para o realizador, o produtor e os atores. É um pouco além do que a Copa do Mundo. As pessoas torcem como se fosse um jogo e não é só isso. Para nós, que fazemos cinema no Brasil, seria excelente a visibilidade que daria, mas são tantas coisas envolvidas que não dá para ter expectativa quanto a isso", afirma a atriz.
Letícia MendesDo G1, em São Paulo
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