A história tem um enredo digno de um livro. Afinal, muitas teorias e lendas exageradas podem surgir a partir da vida de um homem que mora em um túmulo de um cemitério há 13 anos. Mas essa história já existe e é incrivelmente simples: Fábio Beraldo Rigol, de 47 anos, mora – e divide espaço com um cadáver – em um túmulo do cemitério de Brotas, bairro de Santa Isabel (SP). Não mora ali porque cultiva um gosto duvidoso ou qualquer coisa do gênero. Virou andarilho por
causa do uso de drogas e achou, no túmulo de um amigo, um abrigo contra o frio e a chuva, quando os dias de vivência na rua se tornam mais sofridos.
Sua estrutura física dá indícios da alimentação irregular. É magro, alto, calvo, repleto de tatuagens – entre elas uma teia de aranha no pescoço e o apelido “Popó” entre os dedos da mão esquerda – sem falar na barba relativamente grande. Usa roupas sujas (de terra, a propósito), surradas e que foram doadas por alguma “alma boa e generosa”, como descreve. Caminha pelos morros do cemitério com a ajuda de um pedaço de madeira, que encontrou ali mesmo, no chão. E mesmo sem pegar em um livro ou manter conversas que durem mais de 10 minutos com uma pessoa viva há anos, fala o Português de maneira impecável. Herança do que aprendeu em sala de aula, na 7º série, quando se formou e dos dizeres rebuscados dos processos que acompanhava enquanto era despachante.
E apesar de todas as características peculiares, Popó é praticamente um fantasma. Mora na pacata cidade de Santa Isabel, que tem 50.453 habitantes, fica a 57 quilômetros da Capital e possui 11.955 domicílios, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que os dados não mostram é que um habitante mora numa residência nada convencional para alguém vivo: um túmulo. Mas Fábio Beraldo Rigol, está vivo.
A vida na rua começou com uma briga de família. “Nasci em Santa Isabel, tenho família na cidade. Eu era despachante, tinha um escritório que faliu. Comecei a usar drogas e fui expulso de casa, ai fiquei perambulando pelas ruas, até chegar aqui.”
Parece ironia, mas, Popó encontrou na casa dos mortos, uma forma de manter-se vivo. “Já estava de noite, chovendo muito. Lembro de pouca coisa, mas quando acordei, já estava aqui”. Escolheu um túmulo grande. Tem espaço para seis sepultamentos, mas só uma das prateleiras foi usada. Um amigo de Popó está enterrado no local há mais de dez anos. “Pedi permissão para entrar, afinal, ninguém invade a casa do outro assim”. E o morador do cemitério fala um ditado popular com conhecimento de causa: “Não tenho medo dos mortos, só dos vivos”, afirma. O homem disse nunca ter visto um fantasma e confessou que se sente um pouco solitário, apesar de ser avesso à conduta sociável.
Não passa o dia todo no cemitério. Nem mesmo os espíritos mais calmos aguentariam tamanho silêncio, ele diz. “Durante o dia saio, vou até o centro da cidade conseguir comida. Só em dias de muita chuva que fico recolhido. Sempre alguém me doa algo, Deus não deixa ninguém morrer de fome”, considera. Toma banho em abrigos, ganha roupas, comida e vai tocando. “Às vezes saio para usar droga, ainda sou viciado. Mas uso lá fora, dentro de casa não. Eu sei que é errado, mas estou vivo né? (sic). Acho que posso pecar”, considera.
E o homem que conhece o cemitério como a palma da mão, já testemunhou vários conhecidos sendo enterrados. “Não gosto de ver. Prefiro lembrar das pessoas que gosto vivas e felizes”, diz Popó.
Outra ironia: o homem que não se importa em dormir dividindo um espaço escuro e sombrio com um cadáver, não pode ver sangue que desmaia. “Passo mal mesmo. Outro dia eu tive que ir até o hospital, fiquei internado três dias e, nossa, não aguentava ver nem um pingo de sangue que saía da agulha”, comentou.
E apesar de ter chegado na frente no repouso final de todo ser humano, Popó não pretende permanecer no local até a sua hora. “Quero sair daqui com vida. Quero ter uma casinha, nem que for um quarto com banheiro. Quero voltar a trabalhar se tiver chance. A vida ainda não acabou”, planeja.
Jamile SantanaDo G1 Mogi das Cruzes e Suzano
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