Para o especialista em segurança pública José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, a polícia cometeu dois erros no caso em que o apresentador José Luiz Datena negociou ao vivo, na última quarta-feira (28), em seu programa na Band, com um homem que mantinha dois familiares reféns. Um erro foi deixar o apresentador assumir a negociação do sequestro; o outro foi não ter
cortado a energia para impedir que o sequestrador seguisse assistindo ao programa de Datena, “Brasil Urgente”. Além de apontar as falhas no caso, Silva Filho também criticou o papel da mídia em coberturas de sequestro.
O homem, chamado Joel, se entregou depois de manter mãe e irmã reféns, sob ameaça de uma faca, após desentendimento em Diadema, na Grande São Paulo, na última quarta-feira (28). Ninguém ficou ferido. Datena diz que tanto a transmissão do caso por seu programa quanto sua participação nas negociações foram feitas a pedido da PM.
“Há uma série de procedimentos a serem seguidos numa negociação com um sequestrador”, diz Silva Filho, que também é coronel da reserva da PM. Entre eles, explica, está o corte de energia, para evitar que o criminoso assista na TV à situação do sequestro. “Isso pode deixar o sequestrador mais nervoso e piorar as condições para a negociação”.
Durante a transmissão ao vivo, o sequestrador fazia pedidos a Datena para que a câmera mostrasse coisas que queria ver, como a presença de uma moto da TV Bandeirantes. O jornalista afirmou posteriormente estar “profundamente arrependido” por ter atuado como negociador.
“Não é uma mera questão de persuadir o sujeito a se entregar. O negociador treinado, ao mesmo tempo, avalia o grau de risco para os reféns e a possibilidade de invasão tática”
José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança pública
Sobre colocar Datena à frente da ação, Silva Filho é taxativo: “é colocar um amador numa tarefa profissional de grande risco, uma microcirurgia”. Segundo o especialista, um outro requisito em procedimentos de negociação é que o negociador seja uma pessoa treinada e preparada para a tarefa.
“Não é uma mera questão de persuadir o sujeito a se entregar. O negociador treinado, ao mesmo tempo, avalia o grau de risco para reféns e a possibilidade de invasão tática [nome técnico para invasão da polícia do local onde está o sequestrador e os reféns]”.
Segundo Silva Filho, é necessário que o negociador conquiste a confiança do sequestrador e seja visto por ele como única ponte para deixar a situação sem riscos. “Não é indicado trazer ao diálogo pessoas não preparadas para a tarefa, como familiares e personalidades”.
Responsabilidade da polícia
Segundo o coronel José Vicente da Silva Filho, caso o sequestro tivesse um desfecho trágico, a responsabilidade por todas as ações seria do policial que estava no comando das negociações.
Casos de sequestro na capital paulista costumam ser atendidos por equipes do Gate (Grupo de Ações Táticas especiais), da PM, sendo que a primeira intervenção é feita pelo grupo policial da região. Silva Filho diz que todos os grupos policiais possuem, ao menos, o treinamento básico para negociação em sequestros.
Nas cenas do sequestro, é possível ver que policiais do Gate estavam no local. A reportagem do UOL questionou a Polícia Militar sobre quem comandava as negociações em que Datena foi chamado. A PM respondeu que “não fala mais sobre o assunto”.
Salvar reféns
“O foco do negociador é salvar os reféns”, diz José Vicente da Silva Filho. Para isso, os procedimentos básicos devem ser seguidos, podendo haver certa flexibilização. “O pacote de procedimentos varia conforme o contexto”.
Nunca atender pedidos inexequíveis (como a solicitação de um veículo para fuga, por exemplo), ter como negociante um profissional treinado e não colocar pai, mãe ou outras pessoas não treinadas para falar com o sequestrador estão entre os requisitos básicos para negociações, explica o especialista.
“O negociador não abre mão das questões que impõe. Sempre pede algo em troca pelas solicitações do sequestrador”, diz Silva Filho. Ele também explica que o negociador não pode ter capacidade de decisão, por isso nunca é o comandante da operação. “O negociador pode dizer: ‘meu chefe é casca de ferida, vou ver se ele vai deixar isso’, colocando na pauta da negociação essa questão [de que decisões dependem de outra pessoa]”.
Personalidades negociadoras
Em outros casos de sequestro, personalidades, como apresentadores de televisão, e políticos participaram de negociações. Em 2008, a apresentadora de TV Sônia Abrão falou ao vivo com Lindemberg Alves enquanto ele fazia refém a ex-namorada Eloá Pimentel, caso este que teve um desfecho trágico, com a morte da jovem pelo rapaz.
“Devia haver algum tipo de protocolo dentro da imprensa [para cobrir sequestros]. A imagem de várias viaturas da polícia, por exemplo, pode perturbar o indivíduo que já está em fortíssima instabilidade emocional, expondo o refém a risco”
José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança pública
“[Sequestradores] se fixam em gente da mídia. Antes, tinha o Gil Gomes, agora o Datena. Essas personagens chamam atenção, mas não é o caso de chamá-las para ajudar na negociação”.
Para Silva Filho, o caso envolvendo Datena foi menos grave que outros em que pessoas não preparadas são levadas para falar diretamente com o sequestrador. “[Com Datena] o negociador perdeu um pouco a condução da negociação”, avalia o coronel.
O especialista também critica a presença de autoridades em casos de sequestro. Em janeiro de 2001, o governador Geraldo Alckmin foi até a casa do apresentador Silvio Santos para ajudar a pôr fim ao sequestro que o dono do SBT sofria. “Isso é descabido, simplesmente não pode acontecer”.
Silva Filho também critica o papel da mídia em coberturas de sequestro. “Devia haver algum tipo de protocolo dentro da imprensa [para cobrir sequestros]. A imagem de várias viaturas da polícia, por exemplo, pode perturbar o indivíduo que já está em fortíssima instabilidade emocional, expondo o refém a risco”.
Fernando Cymbaluk
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
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