sábado, 14 de setembro de 2013

'Sistema carcerário do Ceará é um dos piores do Brasil', diz juiz do CNJ


"O sistema carcerário do país todo é ruim e existem locais em que é pior do que outros. O [sistema prisional do] Ceará está entre os piores". Esta é a avaliação do juiz Paulo Augusto Irion, coordenador do Mutirão Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobre as unidades carcerárias do estado. Desde 6 de agosto, equipes do Mutirão Carcerário do CNJ inspecionaram 41 unidades prisionais do Ceará e constataram várias irregularidades, como
superlotação, falta de higiene, estrutura precária de prisões, além e detentos em situação irregular.
Nesta sexta-feira (13), foram apresentadas algumas das constatações. Os problemas serão registrados no relatório final do mutirão, que deverá ser consolidado até o fim de setembro e encaminhado ao Poder Judiciário e ao Governo do Estado. No relatório também deverá constar recomendações de soluções e melhorias do sistema carcerário.  "Nós, unindo forças podemos resolver. No momento em que a gente encarar essa realidade - não como algo somente crítico, somente para apontar defeito, mas para buscar soluções, nós conseguiremos, sim, reverter", acredita o juiz.
Procurada pelo G1, a assessoria do Governo do Estado informou que o caso deveria ser repercutido com a Secretaria da Justiça do Ceará. A secretária da Justiça do Ceará, Mariana Lôbo, não atendeu as ligações.
Durante as inspeções, o mutirão encontrou irregularidades como o do acusado de ter assassinado a menina Alanis, em 2010. "A recomendação [do juiz da Vara das Execuções Penais] era que ele deveria ter um tratamento especial para garantir sua própria segurança, em decorrência da grande repercussão do caso. Esse preso estava no setor de castigo, de disciplina, em situação absolutamente desumana, onde o pior dos animais não merecia estar: uma cela de confinamento absoluto, sem luz, sem cama e com muita sujeira", relata o juiz Paulo Irion. Segundo o juiz, esse preso já foi transferido para outra unidade prisional, onde vai permanecer isolado, mas em condições mais dignas.
A menina Alanis Maria tinha 5 anos quando foi raptada, violentada e assassinada por Antônio Carlos dos Santros Xavier, conhecido como 'Casim', julgado e condenado a 31 anos e oito meses de prisão, em regime fechado. Na época do assassinato ele cumpria pena  de 23 anos, em regime semiaberto pelo estupro de outra menina de 5 anos, 13 anos antes.
Para a juíza Fátima Alves, que coordenou o Mutirão em Juazeiro do Norte, as condições físicas das unidades prisionais do Ceará é preocupante. "Em Tauá, a cadeia pública tem capacidade para 35 presos, mas abriga 143 em condições terríveis". Segundo a juíza, falta também assistência do Estado. "Os presos não recebem nenhuma assistência material como colchões, redes e material de higiene pessoal e a alimentação é de qualidade duvidosa. Os que não possuem família sobrevivem da solidariedade de outro preso, que compartilha colchão e material de higiene. No caso das mulheres, esse quadro se torna mais grave", relata.
As péssimas condições estruturais das unidades prisionais do Estado, não são encontradas apenas no prédios antigos, segundo o juiz Paulo Irion. "Temos um caso de uma penitenciária entregue no fim de 2012 que está com grave problema de esgotamento sanitário", diz. Para o juiz, existe omissão do poder público. "Se eu compro um apartamento e pouco tempo depois ele começa a apresentar problemas, eu cobro a responsabilidade civil da construtora e o mesmo deve acontecer com as obras públicas que apresentam vícios. Existe uma certa omissão da Secretaria de Justiça  [na cobrança de responsabilidades]. É dinheiro público que está sendo desperdiçado", diz
Um caso inusitado foi relatado pela juíza no município de Independência, distante 309 quilômetros de Fortaleza. Na cadeia pública apenas um agente cuida da cadeia pública, em turno de 24 horas, auxiliado por dois presos. "Quando ele precisa entrar na vivência, ele é trancado pelos presos que o auxiliam e fica em situação absolutamente vulnerável. O mesmo aconteceu comigo: quando entrei na vivência com o agente [para verificar as condições da cadeia] eu precisei ser trancada pelo preso".
Mutirão Carcerário
Durante seis semanas as equipes do mutirão carcerário - formadas por 15 juízes e dois coordenadores - visitaram 41 unidades prisionais do Ceará e analisaram 14.433 processos de presos condenados e provisórios foram analisados durante o Mutirão, de presos condenados e provisórios, com o objetivo é avaliar as condições de encarceramento e garantir o atendimento aos direitos dos detentos. Desse total, 2.188 tiveram algum benefício concedido, como extinção da pena, livramento condicional, progressão para regimes aberto e semiaberto e trabalho externo, entre outros.

Em uma das inspeções, o Mutirão identificou Juvenal Raimundo da Silva, de 80 anos, que pode ser o preso mais antigo do país. Ele foi preso em 1970, suspeito de matar o irmão dois anos antes. Esquizofrênico, foi internado em uma unidade prisional destinada a presos diagnosticados com doenças psiquiátricas, o  Instituto Psiquiátrico Governador Stenio Gomes (IPGSG), localizado em Itaitinga, na Grande Fortaleza. Como nunca chegou a ser julgado, recebeu alvará de soltura em 1989, após ter a pena extinta pela Justiça, por causa da prescrição do crime.  Por não ter família conhecida, Juvenal Raimundo da Silva foi encaminhado para um abrigo social mantido pelo Governo do Estado.
Durante as inspeções o Mutirão também encontrou Sebastião de Oliveira Neto, de 85 anos. Condenado por homicídio ele cumpria pena na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor José Jucá Neto (CPPL III),  em Itaitinga, na Grande Fortaleza. Mesmo condenado desde 1998, Sebastião só foi preso e começou a cumprir a pena em julho de 2013, cerca de 15 anos após a condenação. Doente, ele cumpria a pena em uma "unidade prisional superlotada e com más condições de higiene”, conforme atesta o Juiz Paulo Augusto Irion. Comunicado sobre o fato, o juiz Luiz Bessa Neto, determinou que o preso passasse a cumprir a pena em prisão domiciliar.
Outra "descoberta" feita pela equipe do CNJ  foi medicamentos com prazo de validade vencidos que estavam disponíveis para ser fornecidos a detentos de duas unidades carcerárias da região metropolitana de Fortaleza. "Tais medicações estavam prontas para, em caso de necessidade, serem ministradas aos presos. É um fato muito grave, pois a medicação com prazo de validade vencido, além de perder totalmente sua eficácia, pode trazer efeitos colaterais às pessoas que a utilizam", afirmou o juiz Paulo Irion.
Os medicamentos foram encontrados na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor José Jucá Neto (CPPL III) e na Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Penitenciário Luciano Andrade Lima (CPPL I),  situadas em Itaitinga, na Grande Fortaleza. Por recomendação do CNJ, a administração do sistema prisional fez o descarte de medicamentos.
Verônica PradoDo G1 CE

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