No município mais católico do Brasil, o padre foi casado por 10 anos, é separado e tem uma filha. Já a cidade com menos fiés da religião nem padre tem. A poucos dias da primeira visita do novo Papa ao país, o G1acompanhou a rotina nos dois locais, que ficam no
Rio Grande do Sul.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 99,4% dos moradores de União da Serra são católicos, enquanto em Arroio do Padre o percentual é de apenas 7,8%.
A pacata União da Serra se intitula capital da fé católica no Brasil. Cercada por dois rios na Serra Gaúcha, a localidade tem 1,4 mil habitantes, ao menos duas paróquias e 20 capelas e um padre.
A cerca de 470 km dali, na Região Sul do estado, fica Arroio do Padre, que apesar do nome, não tem nenhum sacerdote católico. O município de 3 mil habitantes tem duas igrejas católicas e pelo menos oito templos de outras religiões, com 85,8% de evangélicos segundo dados do Censo de 2010.
"Só o que não muda aqui é o time de futebol", brinca o pastor Fabrício Weiss, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. Com a variedade de casas religiosas em Arroio do Padre, muitos fiéis acabam trocando de comunidade.
Padre mesmo, não há por lá. Quando há missas na cidade, o sacerdote vem de São Lourenço do Sul, cidade próxima.
A origem do nome do município é uma história sem confirmação oficial, passada de geração a geração. Contam os moradores que um padre foi a cavalo visitar os fiéis em uma localidade. No caminho, tinha de atravessar um arroio, que estava muito cheio com a água da chuva. Durante a travessia, caiu e se afogou. A partir daí, alguns contam que o padre sobreviveu e outros que ele morreu. O fato é que o local foi batizado por causa do episódio. A colonização alemã fez com que a religião luterana fosse predominante.
Já na cidade mais religiosa, a tradição vem de anos. Colonizada principalmente por italianos que chegaram em 1880, emancipou-se da vizinha Guaporé há 21, quando ainda tinha 3 mil habitantes. Separada em duas vilas, Oeste e Pulador, os jovens que crescem ali acabam se mudando para municípios maiores da região em busca de boas oportunidades. Com a população caindo a cada dia, a cidade tenta se reinventar.
"Estamos furando um poço de 600 metros para águas termais. Se der certo, vai ser bom para a economia do município, aí sim nós vamos investir mais no turismo. Estamos tentando asfalto também. Isso é importante para a sobrevivência do município", afirma o prefeito Luiz Mateus Cenci.
Com a agricultura e a pecuária como principais fontes de renda, União da Serra recebe centenas de fieis para as festas religiosas, que fazem parte do calendário municipal. Santo Antônio e Nossa Senhora do Rosário são os padroeiros. Já a Festa da Gruta, que acolhe uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes, já reuniu 7 mil pessoas, segundo o prefeito. "O pessoal vem mesmo pela fé de Nossa Senhora de Lourdes. Tem um grupo de Guaporé que vem para a festa a pé todos os anos. Outros vêm a cavalo", conta Cenci.
Padre foi casado por 10 anos e tem filha
Em União da Serra, o padre da cidade é divorciado e acredita na força dos jovens.
"Eu me casei com 25 anos e permaneci 10 anos casado. Eu conversava muito com os padres e sabia que tinha algo errado. Eles ajudaram a reverter meu casamento e recebi um veredito de Roma. Sabia que tinha de seguir outra missão", conta o pároco Osmar Burille.
Pai de Samara, estudante de ciências sociais em Porto Alegre, Osmar foi ordenado em 2010.
"Não tem como explicar a fé. A não ser vivê-la. Às vezes a gente não se sente atendido, mas é porque não temos paciência. Ser católico é um compromisso", afirma. O padre conta que no início sentiu um pouco de resistência da comunidade.
Atualmente, União da Serra tem missas todos os dias, e o padre ainda atende 570 famílias da região.
"São poucas as vezes em que a igreja enche. Mas o padre tem de ser gente boa. Não posso exigir muito das pessoas, mas é preciso ter um compromisso", explica o padre Osmar.
Coordenadora reza com os filhos em casa
Antes de deixar o filho de 7 anos sair de casa para ir à escola pela manhã, Jucemara Sartor Tauffer faz o sinal da cruz e, juntos, rezam o Santo Anjo. "Ele já sai abençoado", fala Juce, como é conhecida em União da Serra. Proprietária de um mercado, trabalha no andar inferior do prédio de dois andares onde reside. "À tarde, o mais velho vai para a escola e o mais novo fica comigo. A gente sempre janta junto. Uma coisa que sempre enfatizei é que quero família reunida pelo menos na hora do jantar e do almoço", afirma.
Coordenadora do grupo de jovens da paróquia de Santo Antônio do município mais católico do país, ela lembra que o primeiro contato com a religião foi ainda quando era pequena. Os pais a levavam para assistir às missas. "Sempre fui uma menina quietinha, de prestar atenção, prestava atenção no padre. Antes de começar a catequese meus pais me ensinavam em casa", relembra.
Quem também cultua a fé no lar é Neiva Scarce. A dona de casa é coordenadora da catequese da paróquia de Nossa Senhora do Rosário e se mudou de Casca para União da Serra para trabalhar com um padre. "Comecei a trabalhar com um padre que morava lá. Aí ele foi transferido para cá e eu vim junto. Trabalhei durante nove anos com os padres, depois casei, mas eu continuei trabalhando na paróquia", diz Neiva, mãe de dois filhos.
Já em Arroio do Padre, Matheus Gouveia Dias, de 8 anos, garante que reza sempre sempre em casa. Evangélico, o único "padre" que conheceu é o da própria igreja. "Conheço o padre da minha igreja", contou, se referindo ao pastor. A cidade que tem 90% das plantações voltadas ao fumo carrega a mistura de culturas. "Nas terças-feiras eu jogo vôlei com o pastor de outra igreja. Existe um respeito muito grande entre todos", diz o pastor Weiss.
Antigamente, no entanto, assim como outras pequenas vilas tradicionais, as igrejas eram divididas por descendência. A dona de casa Selma Barbosa foi evangélica até morar em Porto Alegre, quando se converteu para o catolicisimo para poder casar. Religião que segue ainda hoje, morando novamente em Arroio do Padre.
"Os brasileiros frequentavam uma igreja, e os alemães outra. Hoje, como só tem missa uma vez por mês, às vezes vou na luterana. Mas tem algumas que não deixam comungar", diz Selma.
Casada há 37 anos com João Barbosa, cultua em casa a fé em Cristo, nos santos e faz leituras da Bíblia. "A gente reza o terço todo o dia de manhã. Eu dou aula de catequese para quatro crianças, mas são poucas famílias católicas na região", comenta. Os próprios filhos chegaram a mudar de religião, embora tenham sido batizados na católica. "Quando o padre vem vender os livrinhos a gente fica com dó e compra vários", completa.
Moradores se preparam para JMJ
A poucos dias da chegada do Papa Francisco para a Jornada da Juventude, no Rio de Janeiro, Magali Lazzaretti, de 18 anos, prepara as malas para encarar a estrada. Ela vai com mais seis conhecidos para a cidade carioca em uma excursão de Passo Fundo, no Norte do estado.
"Quando eu era criança, não dava muita atenção. Agora que a gente está envolvido com o grupo de jovens, que faz parte das missas, parece que a gente consegue se expressar mais dentro da igreja, não é mais aquela coisa tradicional", conta empolgada.
A jovem trabalha na administração do Sindicato Rural de União da Serra e divide o dia entre a família, o trabalho e o namorado. "Eu acho que a fé é um porto seguro, porque quando acontece alguma coisa que não dá certo na tua vida, é bom sempre procurar orar e pedir pra Deus. Ele está ali e para te ajudar", fala Magali, que diz que se encontrasse o Papa agradeceria pelo trabalho de renovação que tem feito junto com a Igreja Católica
Luiza CarneiroDo G1 RS, em União da Serra e Arroio do Padre
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