Por trás do roqueiro rebelde, que quebrava guitarras e berrava revolta em versos como os do hit "Smells like teen spirit", viveu um homem angustiado, sensível e infeliz. Foi assim até cometer suicídio, aos 27 anos, em 1994, com um tiro de espingarda na cabeça. Foi este lado introspectivo de Kurt Cobain, líder do Nirvana, que
inspirou o ator Nicolas Trevijano a fazer uma peça de teatro sobre o ídolo, meio biográfica, meio filosófica.A ideia surgiu a partir da irritação de Nicolas ao ver o documentário "Retrato de uma ausência", sobre o cantor grunge. Foi à procura do revoltado, encontrou o pacato. Ligou para o amigo Sérgio Roveri e sugeriu que ele escrevesse um roteiro, que ganhou forma com o diretor José Roberto Jardim. Neste sábado (7), terá sua primeira encenação, na Galeria Olido, no Centro de São Paulo.
O amigo imaginário de Cobain, conhecido como Boddah e com quem conversava desde a infância, entra como elemento dramático para o monólogo. Enquanto o personagem lembra fatos de sua vida, especialmente a infância em Aberdeen, mistura comentários fictícios nos diálogos - daí o título "Aberdeen - Um possível Kurt Cobain".
G1 - De onde surgiu a ideia?
Nicolas Trevijano - Nasceu há uns dois anos e pouco, quando fui assistir “Retrato de uma ausência”. Faço 40 anos em setembro, então peguei a fase do Nirvana, gostava muito. A minha surpresa foi que, na primeira meia hora, fiquei até irritado com o filme. Fui esperando ver ele quebrar guitarra, ser roqueiro rebelde. Mas o filme é baseado em 25 horas de entrevistas que ele deu para o único jornalista em que confiava. Não tem a ver com a banda, mas com coisas particulares da infância, dos pais, da cidade de onde veio [Aberdeen], de como não consegui a se adequar a essa juventude caipira dos Estados Unidos... Aí conheci esse cara, o oposto do popstar. Era super sensível, com argumentação lógica, profunda. Eu estava passando por crises existências. Saí emocionado.
G1 - Você disse que ficou irritado no início do filme. A proposta da peça é parecida? O público pode se irritar no início também?
Nicolas Trevijano - Aquele personagem poderia ser qualquer pessoa. A gente precisa de heróis, mas ele era uma pessoa simples, que não se satisfez com a beleza, o sucesso, o dinheiro, procurava coisas profundas. A gente tinha que falar de um cara que pudesse ser qualquer um. A gente só conhece o que vendem. Acho interessante quando a gente para de ver o artista como maluco, ou como viciado, ou como drogado.
G1 - O texto cita fatos que o público não conhece? Alguma história nova?
Nicolas - O texto tem muita coisa de biografia, mas é dramatizado ficcionalmente. O próprio título fala de “um possível Kurt”. A gente realmente quis fugir do popstar.
G1 - É só para fãs do Nirvana?
Nicolas - O próprio Kurt disse “Desculpem os fãs, mas eu não aguento mais verso, refrão. Já fiz isso”. Se você se interessa pelo Nirvana, claro que vai se interessar. Mas a gente chamou pessoas de diferentes nichos para assistir aos ensaios, como o pai do diretor [José Roberto Jardim], que não conhece Nirvana. E as pessoas saem tocadas. Um outro amigo foi ver e disse que poderia ser a história da Amy Winehouse ou de um parente.
G1 — Como foi a preparação?
Nicolas — Dei o filme como referência para o Sérgio [Roveri]. Ele foi ler biografias, pesquisar, e trouxe esse momento do Kurt morto, conversando com o Boddah. O texto não justifica nada, não dá respostas. É inteligente, levanta questões, deixa porquês e um depoimento sobre a vida dele. O José Roberto disse para não nos preocuparmos em construir o personagem. Os maneirismos dele, claro, fui pesquisar, mas vieram aos poucos. Como esse projeto é meu, fui deixando o cabelo crescer porque alguma hora ia rolar.
G1 — Você diz que os conflitos dele são os mesmos de outras pessoas. De que conflitos você fala?
Nicolas — Ele era um cara bonito, com reconhecimento, milionário, casado, com filha, tudo que deveria trazer a felicidade. E não traz. E é isso que aprendemos, que para nos darmos bem, é preciso passar na frente de 10 mil. A vida é uma competição. Na medida que você olhar para um cara com tudo isso e vê que não era feliz, começa a refletir sobre esse essa forma de basear a felicidade no outro. Eu me peguei com 37 anos [a ideia surgiu há mais de dois anos], com cabelo branco, rugas, muitas perguntas e nenhuma resposta.
G1 — Como é dividido o espetáculo?
Nicolas — O Sérgio escreveu o texto em cinco movimentos. Fala sobre solidão, família, filha, drogas e cidade de onde veio, que tem índice de suicídio duas vezes maior do que no resto dos Estados Unidos, ele mesmo teve dois tios avôs e um bisavô que se mataram. Tudo de uma forma uma forma conversada. O palco tem poucos elementos. Tem um aparelho de som, um projetor de slides com slides desfocados, e um espelho grande. A gente brinca de eu mesmo fazer a luz em cena. Como é um cara que está perdido, sozinho, seria um paradoxo uma luz interferindo de fora. Eu mesmo manipulo.
G1 — Tem previsão de encenar em outras cidades?
Nicolas — É uma peça que quero fazer ad aeternum. Enquanto eu conseguir teatro e as pessoas se interessarem, vou fazer. Estou realmente apaixonado.
'Aberdeen – Um possível Kurt Cobain'
Onde: Galeria Olido - Avenida São João, 473, Centro, São Paulo
Quando: sábados, às 21hs, e domingos, às 20hs (até 29 de julho)
Entrada gratuita: os ingressos devem ser retirados 1 hora antes do início da sessão, limitado a um par por pessoa. Não recomendado para menores de 16 anos

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